Setembro, flores e cores
Luiz Carlos Corrêa Carvalho
Podes cortar todas as flores mas
não podes impedir a Primavera de aparecer.
Pablo Neruda
Luiz Carlos Corrêa Carvalho
Podes cortar todas as flores mas
não podes impedir a Primavera de aparecer.
Pablo Neruda
Dos ventos fortes de agosto às folhas amareladas no chão, chega setembro despertando as esperanças da primavera que se aproxima. O clima machucou o produtor canavieiro por três anos seguidos, mas a safra atual, 2023/24, tem sido generosa, contrariando sua tendência negativa. A benevolência climática começou ainda durante o outono de 2022 e se estendeu pela primavera, com chuvas consecutivas e de bom volume, seguido de um verão, já em 2023, igualmente promissor. Para finalizar esse círculo virtuoso, a Safra 2023/24 tem seu início postergado por motivo positivo e relevante, que foram as chuvas do outono: amplas e abundantes em abril, maio e, até mesmo, junho. As projeções de padrões de fenômeno ENSO compatíveis com El Niño se confirmaram tanto do lado ocidental quanto do lado oriental do planeta. Há importantes consequências da seca na Ásia, notadamente na Índia e na Tailândia, enquanto, no Brasil, chuvas mais consistentes na região Sul vêm chegando aos poucos na área canavieira do Centro-Sul brasileiro. Em teoria, as chuvas chegariam com força a partir do mês de setembro na citada região e faltariam ao Nordeste canavieiro que, neste momento, encontra-se em plena safra.
No momento, há questões técnicas e de mercado muito relevantes que devem ser avaliadas pelos produtores. Apesar do avanço da safra, já em setembro, muitas unidades afirmam que ainda possuem mais de 40% da moagem a ser realizada nos próximos meses. Com o retorno das chuvas, antecipado e persistente (em invernadas) seriam várias as possíveis consequências à qualidade da matéria-prima, dinâmica da safra e impacto às soqueiras por potencial intensificação do pisoteio e compactação do solo. Com relação à qualidade da matéria-prima, os produtores deverão atuar no sentido de minimizar as possíveis perdas por meio do planejamento de colheita e do uso de maturadores. NesTe momento, a prioridade é colher, o mais rápido possível, áreas de plantio, principalmente em caso de variedades precoces, canaviais tombados e/ou florescidos e isoporizados. Em caso de retorno e permanência das chuvas, tais canaviais sofrerão com o aparecimento de brotos, senescência dos colmos, inversão da sacarose e, consequentemente, perda do potencial de recuperação do açúcar. As chuvas tendem a dificultar a colheita o que, indiretamente, intensifica o cenário de inversão: afinal, levará mais tempo para que a colheita seja feita. Agora, o uso de maturadores é primordial para a manutenção dos teores de sacarose construídos ao longo da safra pelo maior tempo possível. Trata-se de uma condição diferente da vivida no início da safra, quando o objetivo é aumentar os teores de sacarose em um ambiente que se torna, gradativamente, mais seco e, portanto, favorável à maturação. No terço final da safra, o desafio é retardar a inevitável retomada de crescimento pela cultura, com inversão da sacarose e uso dos açúcares redutores para o processo de respiração e diferenciação celular, em um ambiente que se torna, a cada dia, mais favorável à retomada do desenvolvimento vegetativo.
Contudo, existem outros prejuízos a serem evitados pelos produtores, os quais têm de se manter atentos ao final da Safra 2023/24 (que deve demorar a ocorrer), mas também aos fatores que podem prejudicar a formação do próximo ciclo, 2024/25. A maior umidade do solo e o clima mais quente (efeitos típicos de El Niño na região Centro-Sul do Brasil) têm correlação direta com a antecipação de ciclo de pragas importantes, como a broca e a cigarrinha, as quais podem ter gerações iniciais inadequadamente controladas. Com isso, poderia haver uma intensificação da necessidade de controle de tais pragas, com menor eficiência em sua realização. O mesmo pode ser dito para doenças foliares, em especial as ferrugens (marrom e alaranjada), as quais tendem a ocorrer em maior intensidade desde o desenvolvimento inicial (caso típico da CTC4 e sua conhecida ferrugem-marrom).
Cuidado especial deve ser tomado com canaviais que, porventura, venham a ser “bisados”. O controle de broca e cigarrinha deve ser realizado para a preservação dos colmos industrializáveis e, por isso, deve-se evitar que canaviais de alto potencial, tombados ou em vias de, sejam bisados. Nessa condição, o controle será prejudicado por dificuldades de atingir o alvo durante a aplicação e a ocorrência de brotos ”chupões” será intensificada. As várias gerações de colmos, com diferentes portes, graus de desenvolvimento (jovens e em senescência), infestação de pragas e doenças tornará praticamente impossível a obtenção de bons resultados com a cana bisada, seja na produtividade de colmos, seja na qualidade da matéria-prima, mesmo que haja uso de maturadores no próximo ano.
Enquanto as contas são feitas em cada unidade produtora acerca dos potenciais riscos das chuvas e seus impactos, sobra de cana (cana bis) e receios de pisoteio das soqueiras (com impactos à produtividade futura), o mercado sorri ao produtor de açúcar, com os preços favoráveis e margens positivas. Por outro lado, as ações da OPEP+ e o pouco investimento realizado no petróleo, em todo o mundo, podem encontrar suporte em uma política de preços da Petrobras que acompanhe a realidade dos preços internacionais (Paridade de Preços Internacionais), promovendo importante melhoria na remuneração do etanol carburante.
São possibilidades que dependerão de fatores tão imprevisíveis quanto as variações climáticas: interesses do governo brasileiro quanto à política de preços da Petrobras e, recentemente, das políticas públicas para a exportação de açúcar pela Índia, que podem levar a não exportação desse produto na Safra 2023/24, fato que tem promovido forte sinalização altista ao mercado de açúcar.
Cecília Meireles disse que, em setembro, “... a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação”. É a fase do primeiro plantio de grãos, da cana de 12 meses, se aproveitando do cio da terra. O vermelho das primaveras e o amarelo dos ipês enfeitam essa fase colorida de todo ano que traz esperanças de um novo começo.