Aproveitando o poder da fixação biológica de nitrogênio | Parte 2

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FIXAÇÃO DE NITROGÊNIO

A primeira etapa para compreender a fixação biológica de nitrogênio é entender o que torna o nitrogênio atmosférico tão difícil de se acessar. Parece contraintuitivo que um elemento que compõe 78% da atmosfera também seja o elemento que mais limita o crescimento de organismos vivos. A resposta está na química básica dos átomos de nitrogênio. O nitrogênio na atmosfera existe na forma de dinitrogênio (N2), que são dois átomos de nitrogênio mantidos juntos por uma ligação covalente tripla. A ligação tripla entre os átomos de nitrogênio é extremamente forte, o que torna o dinitrogênio muito estável e não reativo. A quebra dessa ligação tripla, para tornar o nitrogênio disponível para a formação de compostos úteis, requer uma grande quantidade de energia, e existem apenas alguns processos na natureza capazes de fazer isso.

Fixação abiótica de nitrogênio

Há três fenômenos abióticos naturais que fornecem energia suficiente para quebrar  a ligação tripla de dinitrogênio e fixar o nitrogênio atmosférico — fogo, radiação ultravioleta e raios. Todos os três oxidam o dinitrogênio atmosférico em óxidos de nitrogênio (NO, N2O). As reações subsequentes convertem essas moléculas em ácido nitroso (HNO2) e ácido nítrico (HNO3), os quais podem ser precipitados da atmosfera pela chuva ou pela neve. Uma vez no solo, esses ácidos se transformam em nitrato (NO3), que pode ser utilizado pelas plantas. Em geral, considera-se que os relâmpagos são ocorrências esporádicas olhando-se para um local específico. No entanto, mais de 3 milhões de relâmpagos atingem a Terra todos os dias, gerando cerca de 13.000 toneladas de nitrato. Coletivamente, a fixação abiótica de nitrogênio é responsável por cerca de 10% de todo o nitrogênio fixado na Terra. 

Fixação biológica de nitrogênio

A fixação biológica de nitrogênio é a conversão de dinitrogênio em formas reativas por organismos vivos e é o único outro processo natural de fixação de nitrogênio além do fogo, dos raios e da radiação UV. O complexo proteico que catalisa a reação é chamado nitrogenase e existe quase que exclusivamente em um pequeno conjunto de procariontes (bactérias e arqueobactérias). A fixação biológica de nitrogênio provavelmente evoluiu no início da história da Terra . A primeira vida surgiu, provavelmente, entre 3,5 e 4,1 bilhões de anos atrás, e as proporções de isótopos de nitrogênio nas rochas sugerem que a fixação biológica de nitrogênio vem ocorrendo há pelo menos 3,2 bilhões de anos (Stüeken et al., 2015). Apesar da sua longa história, a análise genômica indica que apenas 5% das espécies de bactérias e arqueobactérias têm o conjunto completo de genes envolvidos na fixação de nitrogênio (Pi et al., 2022). A fixação biológica de nitrogênio é responsável pela maior parte (60%) de todo o nitrogênio fixado globalmente. 

A quantidade de nitrogênio fixada por meio de associações simbióticas pode ser substancial: leguminosas como a soja podem fixar até 280 kg de nitrogênio por hectare (Flynn e Idowu, 2015).

Fixação industrial de nitrogênio

Os 30% restantes da fixação de nitrogênio são provenientes da fixação industrial de nitrogênio, por meio do processo de Haber-Bosch, o qual combina o dinitrogênio da atmosfera com o hidrogênio para produzir amônia (NH3). O processo foi desenvolvido pelos químicos alemães Fritz Harber e Carl Bosch, no início do século XX, e foi implantado, pela primeira vez, em escala industrial, para produzir nitratos para munições, durante a Primeira Guerra  Mundial. Comparada a outras fontes de nitrogênio reativo, a fixação industrial só existiu durante uma pequena parte da história da Terra e, portanto, constitui uma alteração extremamente grande  e abrupta no ciclo do nitrogênio na Terra. Estima-se que cerca de 50% do nitrogênio encontrado nos tecidos  humanos seja proveniente do processo de Haber-Bosch (Ritter, 2008).

APROVEITANDO A FIXAÇÃO BIOLÓGICA DE NITROGÊNIO

Um suprimento adequado de nitrogênio disponível para as plantas é fundamental para maximizar a produtividade agrícola. No século passado, o fertilizante de nitrogênio sintético produzido pelo processo Haber-Bosch foi uma ferramenta crucial  para fornecer esse suprimento de nitrogênio.

Estima-se que cerca de metade da população atual do mundo provavelmente não existiria se não fosse essa inovação (Ritchie, 2017). O interesse recente em aproveitar a fixação biológica de nitrogênio decorre do desejo de atenuar as duas principais desvantagens do nitrogênio sintético. A fixação biológica de nitrogênio não depende de insumos de combustíveis fósseis para sua produção e, ao alimentar a planta com nitrogênio diretamente, pode reduzir muito ou eliminar o nitrogênio perdido para o meio ambiente ao invés de ser usado para produzir alimentos.

Romper é difícil

O principal desafio para a fixação biológica de nitrogênio é a quantidade de energia necessária para quebrar a ligação tripla de dinitrogênio. A fixação biológica de nitrogênio é um dos processos metabolicamente mais caros de toda a biologia, exigindo cerca de 16 moléculas de ATP para quebrar uma molécula de N2.

Produção global de fertilizante nitrogenado, de 1961 a 2021, medida em milhões de toneladas métricas de N  (Ritchie et al., 2022)

Como comparação, a fixação de carbono fotossintético C4 custa 5 moléculas de ATP por molécula de CO2 fixada (Yin e Struik, 2020). Esse alto custo de energia da fixação biológica de nitrogênio é provavelmente um dos principais motivos pelos quais relativamente poucas espécies desenvolveram a capacidade de realizá-la. Isso também explica o porquê de algumas plantas terem desenvolvido relações simbióticas com bactérias fixadoras de nitrogênio. O nitrogênio disponível para as plantas é um recurso escasso e metabolicamente caro, portanto, se uma planta pudesse se associar a bactérias para fornecer um suprimento contínuo, seria vantajoso fazê-lo.

A enzima responsável por catalisar a fixação do nitrogênio é chamada nitrogenase e é a única conhecida que faz isso. São conhecidos quatro tipos de nitrogenases; três deles são semelhantes e intimamente relacionados, e um é uma enzima diferente, encontrada apenas em uma única espécie bacteriana, Streptomyces thermoautotrophicus. A nitrogenase consiste em duas metaloproteínas componentes (por isso é, às vezes, chamada de complexo enzimático) as quais, juntas, medeiam a redução do dinitrogênio (N2) a amônia (NH3).

A Hipótese da Rainha Negra

O nitrogênio biologicamente disponível é essencial para toda a vida na Terra e, mesmo assim, apenas um pequeno subconjunto de microrganismos é capaz de produzi-lo.  Mas por que isso acontece?  A Hipótese da Rainha Negra é um conceito que busca explicar a evolução redutiva do genoma e por que certas funções essenciais são raras em algumas comunidades (Morris et al., 2012).

“Rainha Negra” se refere à dama de espadas do jogo de Copas, no qual a estratégia usual é evitar pegar essa carta, embora um jogador inevitavelmente acabe ficando com ela. Muitas funções genéticas vitais, como a fixação de nitrogênio, são "vazáveis", ou seja, os organismos que realizam essa função não conseguem reter os benefícios estritamente para si mesmos. A Hipótese da Rainha Negra postula que a perda de uma função metabolicamente custosa e que pode ser vazada, como a fixação de nitrogênio, é favorecida seletivamente em nível individual e continuará até que a produção seja apenas suficiente para sustentar a comunidade. Simplificando, se os organismos puderem obter um recurso custoso de outros organismos, ao invés de produzi-lo por conta própria, eles o farão.

A Rainha Negra representa os organismos que acabam sobrecarregados, carregando o peso por toda a comunidade.

Fixação biológica de nitrogênio na agricultura

Os organismos fixadores de nitrogênio mais familiares à agricultura são os rizóbios bactérias da família Rhizobiaceae que formam associações simbióticas com espécies de leguminosas e fornecem nitrogênio às plantas hospedeiras após se estabelecerem em nódulos nas raízes. As leguminosas incluem várias espécies de importância agrícola, como soja, grão-de-bico, amendoim, lentilha, alfafa e trevo. O fornecimento de nitrogênio que as leguminosas recebem por meio dessas relações simbióticas permite que elas produzam sementes ricas em proteínas, tornando-as componentes importantes tanto na nutrição animal quanto na humana. Historicamente, as leguminosas têm sido utilizadas na agricultura tanto como fonte direta de alimento e forragem quanto como culturas de adubo verde, as quais são incorporadas ao solo para servir como fonte de nitrogênio disponível para outras culturas.

Tipos de bactérias fixadoras de nitrogênio

As bactérias diazotróficas mais pesquisadas e bem compreendidas são aquelas que funcionam como parte de sistemas simbióticos. Além das espécies de Rhizobium, bactérias do gênero Frankia também formam associações simbióticas com várias espécies de plantas, principalmente árvores e arbustos , conhecidas como plantas actinorrízicas. No entanto, nem todas as bactérias diazotróficas são simbióticas. Elas podem ser agrupadas em uma das três categorias com base em seu hábito de vida.

De vida livre: bactérias que vivem no solo e fixam nitrogênio sem interação direta com outros organismos. Essas bactérias precisam encontrar sua própria fonte de energia, geralmente oxidando moléculas orgânicas liberadas por outros organismos ou resultantes da decomposição. Exemplos incluem espécies de Azotobacter, Bacillus, Clostridium, e Klebsiella.

Associativas: bactérias que vivem próximas ou sobre as raízes das plantas. Essas bactérias recebem energia da planta por meio de carboidratos exsudados pelas raízes e fixam nitrogênio, o qual pode ser utilizado pela planta, mas geralmente não colonizam os tecidos da planta e não formam o mesmo tipo de inter-relação organizada com uma planta hospedeira, que as bactérias simbióticas fazem. A simbiose associativa é comum com gramíneas como milho, trigo, arroz e cana-de-açúcar, incluindo gêneros como Azospirillum, Gluconobacter, Acetobacter, Herbaspirillum, e Azoarcus.

Simbióticas: bactérias que colonizam o organismo hospedeiro e dependem dele para obter energia enquanto fornecem-lhe nitrogênio fixado. Os exemplos mais comuns são as bactérias formadoras de nódulos radiculares, dos gêneros Rhizobium e Frankia, mas essa categoria também inclui cianobactérias fixadoras de nitrogênio as quais vivem em simbiose com uma ampla gama de organismos terrestres e aquáticos. Os diazotróficos simbióticos respondem pela maioria da fixação biológica de nitrogênio total e são os mais importantes em sistemas agrícolas. 

Bactérias diazotróficas não simbióticas, historicamente, tiveram menos importância agronômica, mas sua capacidade de fixar nitrogênio não é insignificante — estima-se que cerca de 30% da fixação biológica total de nitrogênio seja realizada por bactérias não simbióticas (Peoples e Craswell, 1992; Kennedy e Islam, 2001).

Autor: Mark Jeschke, Ph.D., Agronomy Manager; Crop Insights, vol. 34, no. 4. Junho de 2024. Traduzido e adaptado por Fábio Amaral, Paulo Silva e Jefferson Cunegundes; Agronomia, Corteva Agriscience.

Apenas para uso informativo. Entre em contato com o profissional de vendas da Corteva Agriscience para obter informações e sugestões específicas para sua operação. O desempenho das culturas é variável e depende de muitos fatores, como umidade e estresse por calor, tipo de solo, práticas de manejo e estresse ambiental, bem como pressão de pragas e doenças.