Uma abordagem para aumentar a fixação biológica de nitrogênio, em culturas não leguminosas, é impulsionar a contribuição das bactérias fixadoras de nitrogênio de vida livre e associativas. Vários gêneros de bactérias fixadoras de nitrogênio são conhecidos por se associar com culturas de gramíneas, como milho e trigo. Se a quantidade de nitrogênio fixado por essas bactérias, em sistemas agrícolas, pudesse ser aumentada, isso poderia reduzir a necessidade de fertilizantes nitrogenados sintéticos.
A utilização de bactérias fixadoras de nitrogênio não simbióticas, na produção de culturas, não é uma ideia nova. O primeiro inoculante comercial utilizando uma espécie de bactéria de vida livre foi o Azotogen (Azotobacter chroococcum), introduzido em 1946 (Timonin, 1949). Todavia, diversos desafios limitaram o valor e a adoção de biofertilizantes à base de microrganismos. Alguns desses desafios estão relacionados à produção, ao manuseio e à aplicação desses produtos — trabalhar com organismos vivos é muito diferente de manusear produtos químicos convencionais. Outros desafios decorrem da dificuldade de estabelecer microrganismos em um ambiente diversificado e dinâmico, onde eles precisam competir com outros organismos que já estão bem adaptados a esse ambiente (Roper e Gupta, 2016; Soumare et al.,2020).
Ao explorar maneiras de aumentar a fixação de nitrogênio não simbiótica, é útil primeiro examinar o que torna os diazotróficos simbióticos, como os rizóbios, tão bons em fixarem grandes quantidades de nitrogênio. Os rizóbios colonizam as raízes das leguminosas por meio de um processo altamente regulado de troca de sinais entre as bactérias e a planta hospedeira. Quando o nitrogênio disponível no solo é limitado, as leguminosas liberam flavonoides, os quais sinalizam, para os rizóbios, que a planta está em busca de bactérias simbióticas. Em resposta, os rizóbios liberam fatores de nodulação (fatores Nod), os quais estimulam a planta a criar pelos radiculares deformados, criando um caminho de entrada para as bactérias. Uma vez que os rizóbios estão dentro das células radiculares, estas sofrem uma divisão celular rápida, formando um nódulo.
O nódulo fornece às bactérias duas coisas importantes que elas precisam para fixar nitrogênio: uma fonte de energia e um ambiente anaeróbio. Os rizóbios conseguem fixar uma grande quantidade de nitrogênio, porque as plantas hospedeiras lhes fornecem a energia necessária para isso. A energia para dividir o gás nitrogênio no nódulo vem do açúcar produzido pela fotossíntese, que é translocado das folhas da planta. Um ambiente anaeróbio é necessário para o funcionamento da nitrogenase, pois esta é altamente sensível ao oxigênio, o qual inativa e degrada irreversivelmente a enzima. O nódulo proporciona às bactérias esse ambiente. Ademais, contém leghemoglobina, uma proteína que contém ferro e se liga ao oxigênio, facilitando sua difusão para uso na respiração celular. A leghemoglobina é o que dá aos nódulos radiculares sua cor interna avermelhada característica.
Nódulos que estão ativamente fixando nitrogênio atmosférico terão uma cor rosa ou vermelha quando cortados. A cor vermelha é causada pela leghemoglobina, uma proteína que se liga ao oxigênio e o torna disponível para a respiração celular, ao mesmo tempo que evita a degradação da nitrogenase. Foto: Manitoba Pulse & Soybean Growers.
Os diazotróficos não simbióticos não desfrutam do mesmo ambiente otimizado para a fixação de nitrogênio que os simbióticos; contudo, eles ainda podem obter algumas vantagens ao se associar com plantas. A rizosfera das plantas fornece um ambiente favorável para a proliferação microbiana, em comparação com o solo em geral, devido à secreção de exsudatos radiculares ricos em açúcares, ácidos orgânicos e aminoácidos, os quais as bactérias podem usar como fonte de energia. Os exsudatos radiculares de diferentes plantas podem favorecer diferentes tipos de bactérias, e vários gêneros são conhecidos por se associar às raízes do milho.
Methylobacterium symbioticum, o ingrediente ativo de Utrisha® N, na superfície de uma folha de planta. M. symbioticum entra na planta através dos estômatos e rapidamente coloniza toda a planta.
O componente ativo de Utrisha® N (Methylobacterium symbioticum) obtém energia da planta hospedeira, para a fixação de nitrogênio, de uma maneira diferente. As metilobactérias são um gênero de bactérias que sobrevivem e se multiplicam dentro da planta, utilizando metanol, que é um subproduto do crescimento vegetativo normal da planta liberado para a atmosfera através dos estômatos. As bactérias utilizam o metanol como fonte de energia e fixam nitrogênio atmosférico. Bactérias endofíticas, como M. symbioticum, podem viver e se reproduzir em plantas sem causar danos.
As bactérias endofíticas têm uma vantagem sobre as bactérias associativas na rizosfera, pois podem acessar diretamente a energia da planta enquanto escapam da competição com outros organismos. Um dos desafios ao inocular solos com bactérias é que as populações bacterianas inoculadas muitas vezes diminuem rapidamente devido à competição com organismos nativos (Roper e Gupta, 2016).
Mesmo quando os diazotróficos não simbióticos conseguem receber energia de uma planta hospedeira, geralmente não produzem grandes quantidades de nitrogênio para a planta, simplesmente porque não evoluíram para isso. Os diazotróficos não simbióticos geralmente fixam nitrogênio para suas próprias necessidades, não para secretar e as plantas absorverem (Rosenblueth et al., 2018). Essas bactérias reduzirão a fixação de nitrogênio quando for benéfico para elas. Dado o alto custo metabólico da fixação de nitrogênio, qualquer bactéria que investisse energia significativa na produção de nitrogênio excedente provavelmente seria superada por aquelas que não o fizessem. Além disso, os diazotróficos não simbióticos no solo geralmente reduzem a fixação de nitrogênio quando o nitrogênio mineral está disponível, como acontece em campos fertilizados (Knowles, 1980), o que pode tornar desafiadoras as tentativas de substituir uma parte do nitrogênio aplicado pela fixação biológica.
Os níveis de fixação de nitrogênio alcançados por bactérias fixadoras de nitrogênio, em culturas de cereais, como o milho, não foram suficientes para atender às necessidades da cultura. Por isso, os cientistas pesquisaram — e continuam pesquisando maneiras de aumentar esse suprimento de nitrogênio.
Uma estratégia foi aumentar a quantidade de nitrogênio fornecida por bactérias associativas. Sabe-se que numerosos gêneros de bactérias fixadoras de nitrogênio associam-se às raízes de culturas de cereais, como o milho; todavia, o nitrogênio fornecido por essas bactérias é limitado por vários fatores, incluindo colonização e persistência insuficientes, falta de especificidade do hospedeiro e regulação genética a qual limita a fixação de nitrogênio apenas ao necessário para as bactérias (Haskett et al., 2020). Selecionar ou modificar bactérias para superar qualquer uma dessas limitações pode aumentar a quantidade disponível para a cultura. Pesquisas recentes sobre mutantes diazotróficos que superproduzem e excretam amônio mostraram-se promissoras para promover o crescimento das plantas (Rosenblueth et al., 2018).
Outra estratégia foi a de projetar novas simbioses entre plantas não leguminosas e bactérias fixadoras de nitrogênio. Essa estratégia envolveria a modificação genética da planta para liberar sinais de nodulação para iniciar a simbiose e, possivelmente, a inoculação com uma cepa de bactéria fixadora de nitrogênio que responderia especificamente a esses sinais. Um dos principais desafios a serem superados com essa abordagem é o efeito tóxico do oxigênio na rizosfera (Haskett et al., 2022; Mus et al., 2016; Soumare et al., 2020). Dificuldades adicionais incluem a entrega eficiente de energia às bactérias e de nitrogênio fixado à planta, assim como a extrema complexidade da simbiose de fixação de nitrogênio, a qual requer a função coordenada de mais de 30 genes essenciais (Rogers e Oldroyd, 2014). Uma importante descoberta recente é uma variedade de milho tropical, no México, que pode obter uma parte significativa de seu suprimento de nitrogênio oriunda de bactérias diazotróficas que vivem na mucilagem secretada pelas raízes adventícias aéreas. As células da coifa do milho secretam um gel chamado mucilagem, o qual contém carboidratos, aminoácidos e outros compostos.
Esse gel desempenha um importante papel na formação da interface entre o tecido radicular e o solo, além das interações com micróbios do solo. A mucilagem secretada pelas raízes adventícias é frequentemente visível como gotas que se acumulam nas pontas das raízes que ainda não atingiram o solo.
Foi recentemente descoberta, no México, uma variedade de milho tropical capaz de obter uma parte significativa de seu suprimento de nitrogênio a partir de bactérias diazotróficas que vivem na mucilagem secretada pelas raízes adventícias aéreas.
Essa variedade de milho foi cultivada usando práticas tradicionais, com pouco ou nenhum fertilizante, o que pode ter selecionado a evolução de associações microbianas únicas para fornecer nitrogênio às plantas. Ela tende a desenvolver múltiplos nós de raízes adventícias aéreas, os quais produzem quantidades de mucilagem maiores que o normal. Pesquisas encontraram múltiplos táxons de bactérias diazotróficas na mucilagem, que foram capazes de produzir nitrogênio suficiente para suprir 30-80% das necessidades da planta. A mucilagem forneceu tanto a energia quanto o ambiente anaeróbio necessários para o funcionamento da nitrogenase (Van Deynze et al., 2018).
A fixação de nitrogênio é um processo que demanda muita energia. As bactérias simbióticas, nas leguminosas, são capazes de produzir muito nitrogênio, porque a energia necessária para realizar o processo é fornecida pela planta. Isso levanta a questão óbvia: será que esse nitrogênio fixado está sendo obtido às custas da produtividade?
As bactérias fixadoras de nitrogênio estão consumindo energia da planta que poderia, de outra forma, estar sendo usada para produzir mais?
A resposta é não, não exatamente. A fixação de nitrogênio certamente tem um custo energético para a planta, mas assim também é para a assimilação de nitrato do solo. As plantas precisam de nitrogênio na forma de amônio (NH4+) para construir aminoácidos. Os rizóbios convertem N2 em NH4+, o que custa energia para a planta. Converter o nitrato (NO3-) absorvido do solo em NH4+ também custa energia para a planta. Os custos energéticos estimados para esses dois processos são semelhantes 605 kJ/mol no caso da assimilação de nitrato e 687 kJ/mol para a fixação de nitrogênio (Roesenblueth et al., 2018).
Se as leguminosas fossem capazes de obter uma vantagem significativa ao absorver nitrogênio do solo em vez de fixá-lo, as evidências experimentais mostrariam isso, mas esse não é o caso. Estudos de campo sobre a aplicação de fertilizante nitrogenado em soja geralmente mostraram efeitos pequenos e inconsistentes na produtividade (Mourtzinis et al., 2018).
A solução mais direta para introduzir a fixação biológica de nitrogênio em culturas não leguminosas parece ser a de inserir os genes necessários (conhecidos como genes nif) nas plantas, de forma que possam realizar essa fixação por si mesmas. Afinal, a inserção de genes bacterianos em plantas de cultivo é algo que já foi feito, e com grande sucesso. O milho Bt, por exemplo, foi geneticamente modificado para expressar um gene de uma bactéria do solo, Bacillus thuringiensis, que produz uma proteína altamente eficaz no controle de certos insetos-praga.
A engenharia para adição da fixação de nitrogênio em uma espécie que não fixa nitrogênio também já foi realizada. A transferência bem-sucedida de genes nif de uma bactéria fixadora de nitrogênio (Klebsiella pneumoniae) para uma bactéria que não fixa nitrogênio (Escherichia coli) foi alcançada ainda no início dos anos 1970 (Dixon e Postgate, 1972), o que fez os cientistas acreditarem que isso poderia ser possível em organismos mais complexos, como as plantas. Criar variedades de culturas de importância agrícola, como milho, trigo e arroz, capazes de fixar seu próprio nitrogênio tem sido, há muito tempo, de interesse para os cientistas e continua sendo uma área de pesquisa em andamento. Contudo, há alguns desafios que tornam esse problema particularmente difícil de resolver e queaté agora, pelo menos mantiveram esse objetivo fora de alcance.
O primeiro desafio é que a fixação de nitrogênio não é controlada por apenas um gene a via nif é grande e envolve muitos genes. Os genes nif incluem aqueles que codificam os dois componentes metaloproteicos da nitrogenase, além de várias proteínas reguladoras envolvidas na fixação de nitrogênio. Transferir um cluster gênico grande já é difícil, mas a complexidade da via nif torna isso particularmente desafiador. Com o intuito de inserir a fixação de nitrogênio em plantas, os cientistas teriam que não só transferir os genes, mas também replicar os componentes celulares que controlam a via. Somando-se a essa complexidade, está o fato de que procariotos, como bactérias, organizam seus genes de forma diferente dos eucariotos, como as plantas, o que torna difícil a transferência de um cluster multigênico para o genoma nuclear.
A nitrogenase é degradada pelo oxigênio este é um problema que todos os organismos fixadores de nitrogênio precisam enfrentar, mas é especialmente problemático para organismos fotossintéticos, como as plantas, nos quais o oxigênio é produzido como subproduto da fotossíntese. Superar esse problema requer algum meio de compartimentalizar os dois processos, seja fisicamente ou temporalmente, para que não ocorram no mesmo lugar, ao mesmo tempo.
Existem organismos na natureza que conseguem realizar ambos as cianobactérias realizam fotossíntese e muitas delas também fixam nitrogênio. Uma estratégia que elas evoluíram para executar ambos os processos com sucesso é separar fisicamente os dois processos por meio do desenvolvimento de heterocistos, que são células especializadas na fixação de nitrogênio. Heterocistos não realizam fotossíntese, e sua estrutura única permite que eles criem um ambiente interno anaeróbio favorável à nitrogenase. Os heterocistos fornecem nitrogênio às células vizinhas, as quais, por sua vez, lhes fornecem energia produzida pela fotossíntese, criando uma espécie de divisão do trabalho entre as cianobactérias. Outros tipos de cianobactérias separam os processos de forma temporal, com a fixação de nitrogênio ocorrendo durante a noite, na ausência da produção de oxigênio pela fotossíntese (Berman-Frank et al., 2001). Portanto, não é impossível que organismos fotossintetizantes fixem nitrogênio, mas isso traz alguns desafios.
Embora a meta de inserir a fixação de nitrogênio em culturas não-leguminosas permaneça ilusória, avanços recentes em análise genética e em biologia sintética permitiram um progresso significativo em busca desse objetivo. A compilação de uma biblioteca com milhares de sequências de genes nif deu aos cientistas uma melhor compreensão da história evolutiva da nitrogenase (Soumare et al., 2020).
Uma importante nova descoberta científica relatada em 2024 pôde fornecer insights relevantes sobre um caminho potencial que permita a fixação de nitrogênio em plantas. A fixação de nitrogênio era considerada exclusiva de procariontes, mas o primeiro exemplo de fixação de nitrogênio em um organismo eucarionte foi recentemente descoberto em uma espécie de alga unicelular (Braarudosphaera bigelowii) (Coale et al., 2024). Essa espécie de alga era conhecida por formar relações simbióticas com uma cianobactéria fixadora de nitrogênio chamada Candidatus Atelocyanobacterium thalassa, ou UCYN-A. Esse tipo de simbiose, conhecido como endossimbiose, envolvia cianobactérias vivendo dentro das células das algas e trocando nitrogênio fixado pelo carbono fixado de seu hospedeiro.
Os cientistas descobriram que essa relação havia evoluído além da endossimbiose, a tal ponto que a UCYN-A agora funcionava como uma organela sua divisão passou a ser controlada pelo organismo hospedeiro, e os simbiontes eram transmitidos às células filhas durante a divisão celular. Acredita-se que os cloroplastos e as mitocôndrias, em células eucarióticas, tenham evoluído da mesma maneira eles eram originalmente organismos separados que se tornaram endossimbiontes e, eventualmente, parte do organismo hospedeiro. Essa nova organela fixadora de nitrogênio recém-descoberta foi chamada de nitroplasto. Essa descoberta é um avanço significativo na busca pela engenharia da fixação de nitrogênio em plantas, pois demonstra que a fixação de nitrogênio em um organismo eucarionte é, de fato, possível.
Autor: Mark Jeschke, Ph.D., Agronomy Manager; Crop Insights, vol. 34, no. 4. Junho de 2024. Traduzido e adaptado por Fábio Amaral, Paulo Silva e Jefferson Cunegundes; Agronomia, Corteva Agriscience.
Apenas para uso informativo. Entre em contato com o profissional de vendas da Corteva Agriscience para obter informações e sugestões específicas para sua operação. O desempenho das culturas é variável e depende de muitos fatores, como umidade e estresse por calor, tipo de solo, práticas de manejo e estresse ambiental, bem como pressão de pragas e doenças.